quinta-feira, 1 de junho de 2023

Índio ou indígena: conflito linguístico?

Recentemente, falei para um amigo que em seu aniversário, deveríamos ir vestidos de índio, já que a data do aniversário dele é o dia 19 de abril. Ele me olhou e disse: “Não é dia do índio. É o dia dos povos indígenas”. Hã!? Como assim? Mudou? Estamos diante de um conflito linguístico?  



Para começar, embora as palavras “índio” e “indígena” em muitas situações pareçam dizer a mesma coisa, elas são etimologicamente diferentes. Vamos começar com a palavra índio.


A origem da palavra índio se formou a partir do nome da Índia, isso porque Cristóvão Colombo acreditava que sua viagem, através do Atlântico, o levaria à Índia. Só que ao chegar no novo continente, pensando que estava na Ásia, chamou os seus habitantes de “índios”, por pensar que havia chegado na Índia. Em outras palavras, a denominação “índio” nada mais é do que um equívoco de Colombo, que, ao chegar na ilha de Guanahani, em 1492, pensou ter chegado às Índias, quando na verdade ele tinha chegado à América, mais precisamente nas Bahamas. Naquela época, os europeus chamavam todo o sudeste asiático de Índias, por isso o termo ficava assim: no plural.


Lembrando que Cristóvão Colombo foi o primeiro europeu a chegar nas terras do continente americano, chamado de Novo Mundo. Ele foi tão importante para a nossa história que o seu nome “Colombo” inspirou o nome de um país, Colômbia, legal, né? Há quem diga que ele foi o primeiro homem a comprovar que o mundo era realmente redondo. E só depois de oito anos da descoberta do Novo Mundo, é que Pedro Álvares Cabral chega aqui, no litoral Brasileiro. 


Já a palavra índigena, por outro lado, é uma composição linguística que vem da palavra latina indigena cujo significado era “de alí/ de lá”. Por extensão de sentido, essa palavra designava um habitante nativo, primitivo de um lugar. Há também uma raiz indo-europeia nela, pois o “gen” de seu nome denomina “parir, dar à luz”, a mesma base, por exemplo, utilizada para a palavra genealogia.


Assim, temos dois termos distintos, empregados desde o século XVI, e que geram polêmicas, pois o uso da palavra índio pode ser considerado discriminatório, pejorativo, sob o ponto de vista de alguns países aqui da América, a ponto de redações de diversos meios de comunicações e organizações políticas recomendarem em seu lugar a palavra indígena.


Em dicionários europeus, o nome indígena ganhou registro somente a partir do século XIX com o sentido de “aquele que é natural de uma país”. Então, o que isso pode dizer? Que todos nós somos indígenas, pois somos nativos de algum lugar, seja você índio ou não.


Observe que índio está relacionado com o país da Índia. Em espanhol, quem mora na Índia é chamado de índioEm inglês, indian significa tanto “indiano” quanto “índio”. Há, portanto, uma forte proximidade fonética entre índio e indígena, fato que proporcionou esse problema de as pessoas entenderem que apenas os habitantes do Novo Continente poderiam ser chamados de indígenas.





Agora, vamos retomar às polêmicas quanto ao uso desses termos.  Há os que não veem problema em usar a palavra “índio”, pois alegam que não há nenhuma evidência de que o termo índio é depreciativo. Pois, enxergam uma tentativa de eliminar o nome índio em função de agendas ideológicas, apoiando-se em movimentos do “politicamente correto”, a exemplo do que ocorre com a palavra escravo ao ser substituída por escravizado.


O grau de complexidade quanto ao correto nome atribuído aos nativos brasileiros só tem aumentado: índio ou indígena? Para evitar repreensões ou correções, parte das pessoas que lidam ou trabalham diretamente com a linguagem tem optado por codificá-los como povos origináriosExpressão que também abarcaria a todos, pois (todos nós) somos originários de algum lugar. Cadê as distinções?


Não estou aqui para tomar partido de qual palavra está correta, longe de mim. Até entendo que a confusão causada por Cristóvão Colombo precise ou precisasse ser desfeita, mas o que me chama atenção, em termos linguísticos, é que o uso define a língua. Ou seja, eliminar termos como gordo, vesgo, careca etc., cuja tentativa tem seus motivos, não será uma tarefa fácil, pois são termos curtos que estão no cotidiano das pessoas. As palavras quando bastante usadas tendem a se degastarem, vossa mercê me entende? 


A opção, orientação ou determinação para se falar “pessoa portadora” seguido do nome de sua condição física, a exemplo de “portador de estrabismo” se põe como um desafio para algo que está enraizado, é cultural! Mas, se é para o bem de quem sente na pele ser chamado de termos que machucam, tais causam são mais que justam.


Ah... voltando ao aniversário do meu amigo no dia 19 de abril: se me chamar, no próximo ano, eu vou. Como é que vocês acham que devo me vestir: de índio, indígena ou de povos originários? Brincadeiras à parte, o meu respeito, carinho e gratidão aos povos nativos de nosso país, pela bravura e por manter nossas raízes. 

Até a próxima.



Fontes

https://diariodeumlinguista.com/2022/06/06/indio-ou-indigena/

https://www.elcastellano.org/envios/2023-01-06-000000



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